terça-feira, agosto 28, 2007

Chocolate Quente às Cinco da Manhã.

Não faço de propósito mas, de uns meses para cá, acordo bem cedo - não preciso forçar, não preciso de despertador - e vou para a minha varandinha dar uma primeira olhadela no dia que está para nascer. Logo em seguida vou para a cozinha e preparo um café (forte) ou na ausência deste, um chocolate cremoso. Não como nada neste momento - isto já há muitos anos. É o café e pronto! (a entrada do chocolate em cena é mais uma das boas mudanças que ocorreram em minha vida com a presença de Sica). Volto para a varanda e fico namorando a paisagem fantástica que tenho de lá: Lagoa, Pão de Açúcar, Cristo, Dois Irmãos, Leblon, Ipanema, O início de Copa(cabana)... e bebo o meu chocolate quente... aguardando os primeiros movimentos do amanhecer. Às vezes escuto Bach neste momento mas, nas últimas semanas tenho preferido os sons que chegam junto com os primeiros raios da manhã - o ar se agitando, a balburdia de passarinhos, tucanos e... Deus!!!... até um galo! Bebo o meu chocolate enquanto vejo as nuvens serem tingidas de rosa que transita suavemente para um vermelho intenso que avisa... "Estou prestes a sair... só mais uns minutinhos e saio por detrás do Pão de Açúcar, pelo canto esquerdo, não vá embora... me espere!"; quase que brincando de esconde-esconde como faz o Tony, O gato (outra boa novidade introduzida em minha vida por Sica) meu parceiro de brincadeiras, bagunças e de noitadas nas quais a leitura avança sem controle. Não é algo demorado este nascimento diário do Sol, é até rápido demais. (de tão lindo que é, poderia durar mais... este tipo de beleza não cansa a vista nem o espírito). Depois de exposto, a paisagem muda radicalmente. A claridade que vem com ele revela a cidade por inteiro, as pessoas por inteiro, o tempo por inteiro, revela por inteiro o início do frenesi que vai tomando conta de todos os espaços nas ruas e nas pessoas... muito antes disso, o chocolate já acabou, eu já tomei meu banho, já me arrumei, preparei minha mochila com os livros e textos fragmentados de pensadores e historiados renomados, já alimentei o Tony, lavei a louça, arrumei a "cama", retirei o lixo e saio mergulhando nas intensidades do mundo mercado, no qual tenho que estar mas não viver. Viver é outro assunto, é tema de outra ordem... é estar e ser com o gosto do chocolate quente ainda no fundo da boca... ao longo do dia e da noite, num amanhecer constante onde a suavidade permite receber e integrar o outro e a si mesmo, onde o tempo não é o tempo do mercado, do "time is money" que tristemente importamos e incorporamos as nossas vidas e que tenta nos roubar possibilidades. Possibilidades ‘gestadas’ no afeto, na paciência amiga, na amizade, na construção de uma forte parceria solidária que deságüe numa sociedade mais justa e com menos desigualdades... Viver é um outro assunto, é afrouxar a rigidez das fronteiras internas para permitir que possamos fazer interseções produtivas de lealdade e confiança e que, mesmo tendo que estar "operando" no mundo neoliberalizante, possamos traçar os nossos próprios caminhos, que possamos pensar por nós mesmos, que possamos "parar" e sentar em um Café num finalzinho de tarde ou na Pedra do Arpoador ou onde quer que estejamos e ver o Sol avisar: "Estou indo mas volto amanhã, um pouco depois das cinco... me espera com uma caneca de chocolate quente!!"
Um abraço,

Le Cuisinier.
Publicado inicialmente no Banquet de Mots em 4 de julho de 2006.
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