terça-feira, agosto 28, 2007

Felicidade e Broas de Milho a Caminho de Itacuruçá.

Publicado inicialmente em Banquet de Mots por Le Cuisinier - 2006.
Ontem à tarde, durante os preparativos para a viagem de Sica, paramos em uma padaria. Era, na aparência externa, uma padaria comum, dessas que existem as centenas espalhadas pelas esquinas. Mas entrando, a primeira coisa que chama a atenção é a absoluta limpeza e organização – o que venhamos e convenhamos são aspectos cada vez mais raros nesta cidade. Funcionários com uniformes impecáveis, expositores extremamente limpos e ordenados, iluminação equilibrada, atendimento rápido e simpático – sem afetação, sem “aquele sorriso Macdonaldniano” tipo campanha publicitária. Somado a isso, estava repleta (e não podia ser diferente - risos) de pães, doces, frios... produtos com visual caprichado e, comprovamos mais tarde, deliciosos. Compramos uma pequena variedade deles e nenhum sobreviveu até entrarmos, horas mais tarde, no carro rumo ao aeroporto internacional. Uma das saborosas aquisições foram pequenas broas de milho. Macias, cheirosas e em quantidade para quatro pessoas. No trajeto para a casa de Sica, enquanto conversávamos e planejávamos o café para dar conta das guloseimas, lembrei de uma cena da minha infância. Quase sempre passava as férias escolares na casa de meus avós maternos. Uma casa no subúrbio carioca, com cara de final do XIX e início do XX, um quintal enorme, duas salas gigantescas, quartos amplos, uma pequena biblioteca e uma charmosa cozinha. Cozinha que fazia jus ao caloroso casal que, assim como quase toda a família, era adepto da Boa Mesa: Comida farta e gostosa. Porém, nem sempre o palco dos encontros gastronômicos ficava restrito à residência deles. O “monopólio” foi rompido, por um bom tempo, e o local das reuniões familiares passou a ser em Itacuruçá, (aconchegante balneário próximo aqui do Rio que nesta época ainda recebia em suas praias tartarugas gigantes. Dessas que hoje só vemos em documentários sobre ecologia) e onde meu avô alugou uma casa para passar as férias. Uma festa! Para chegar lá, íamos até uma estação e lá pegávamos um trem quase cenográfico: vagões de madeira, bancos idem, grandes janelas, um sacolejar preguiçoso, com direito a cabineiro uniformizado, apito e paisagem peculiar no caminho. Pois neste bendito trem havia outro momento especial: a hora do lanche! Minha avó levava café em garrafa térmica e ficava aguardando... quem dava à hora de serví-lo não eram os netos ou ela mas um senhor que ia de vagão em vagão vendendo a mais fantástica broa de milho que já comi em toda a minha vida. Não eram broas diminutas como as que citei acima, mas broas que davam sentido a palavra generosidade. Não bastasse esta qualidade, eram macias, cheirosas e DELICIOSAS! O que resultava, em determinado momento, no pecado da gula. Pecado justificado para ser sincero. Fazíamos o pedido e ele tirava as broas de um grande cesto de vime e as colocava em sacos de papel pardo de onde, ao longo do caminho para Itacuruça, íamos retirando e devorando cada uma delas. Ao final da viagem, o único sinal de existência das broas eram os farelos amarelados que as cobriam e que eram “transferidos” para as nossas mãozinhas e, evidentemente, para as nossas roupas, bocas, bochechas e cabelos. Uma pequena bagunça. Meus avós maternos não tinham nenhuma rigidez no sentido de manter uma “estética da aparência educada e comportada”. O que valia para eles era a estética da felicidade e da liberdade e isso apreendemos deles. A alegria do encontro e daquele momento era o que dava significado as ações em família e a própria vida. Não por acaso é que, mesmo tantos anos após partirem para outro universo, eles são carinhosamente lembrados e “acariciados” todas as vezes que nos reunimos para matarmos as saudades e colocarmos os papos em dia. Nos encontros na casa deles e nas viagens de trem para Itacuruça havia muito mais que comidas e broas de milho!
Um abraço,
Le Cuisinier.
www.itacuruca.com.br Neste site, vá até A CIDADE. Lá tem um link sobre o trem e a estação com um belo texto e fotos do arquiteto Sérgio S. Morais.
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